Mircea Elíade in "O Sagrado e o Profano"
- O HOMEM ARRELIGIOSO É RARO
"... Como dissemos, o homem arreligioso em estado puro é um fenómeno muito mais raro, mesmo na mais dessacralizadas das sociedades modernas. A maioria dos homens "sem-religião" comportam-se religiosamente, sem o saber. Não se trata só de uma mistura de "superstição" ou de "tabus" do homem moderno, que na sua totalidade tem uma estrutura ou uma origem mágico-religiosa. Mas há mais: o homem moderno que se sente e pretende ser arreligioso dispõe ainda de toda uma mitologia disfarçada e de numerosos ritualismos degradados. Como dissemos as festas que acompanham o novo ano ou a instalação numa nova casa apresentam, na forma laica, a estrutura de um ritual de renovação. "
- CINEMA E LIVROS, MITOS
A IMERSÃO NARRATIVA COMO UM TIPO DE RELIGIOSIDADE MODERNA
"... Poder-se-ia escrever um livro inteiro sobre os mitos do homem moderno, sobre as mitologias disfarçadas nos espectáculos que gosta, nos livros que lê. O cinema, essa "fábrica de sonhos", volta a tomar e utilizar vários motivos míticos : a luta entre o herói e o monstro, os combates e as provas iniciáticas, as figuras e as imagens exemplares (a "jovem", o "herói", a paisagem paradísiaca, o inferno, etc.). Até a leitura comporta uma função mitológica: não só porque renova o relato de mitos nas sociedades arcaicas e na literatura oral, mas ainda latentes nas comunidades rurais da Europa, mas especialmente porque a leitura oferece ao homem moderno uma "saída do tempo", comparável à efectuada pelos mitos. Quer se "mate"o tempo com um romance policial, quer se penetre num universo temporal estranho, o representado por qualquer romance, a leitura projecta o homem moderno para fora do seu tempo pessoal e integra-o noutros ritmos, e fá-lo viver noutra "história". A maioria dos "sem-religião" não se libertou, propriamente falando, dos comportamentos religiosos, das teologias e mitologias."
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