Come sua cruz de carne / Assada

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
Capricci, Carmelo Bene, 1966

Um ninho de vísceras
Sobre a árvore ressequida do teu sexo
Um negro cipreste que se ergue pela eternidade
Velam os mortos que alimentam suas raízes
Dois ladrões crucificados sobre costeletas de cordeiro
Enganam-se de um terceiro que, cumprida a sua missão,
Come sua cruz de carne
Assada
Joyce Mansour

E revira na tela a imagem do barco para que Ulisses / Sempre retorne às imaginárias Ítacas

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

DEUS EX-MACHINA [lisboa.02/17]

Jussara Salazar  

Meu corpo é um oceano esférico com peixes boreais|Dionísio brinda
Águas fluem desde myanmar para tecer um futuro
E levar os trens que passam rápido pela estação de arroios
Donde lê-se que toda ciência no futuro
Será exactamente verdade será exactamente inverdade
Um oceano esférico que aguarda|vampyroteuthis infernalis 
Águas fluem antigas e medusas cristalinas leem o futuro
Enquanto os carros passam rápidos e cada clamor de seus motores
Enchem o ar de ondas escuras que sonham infâncias

Um oceano esférico onde as mulheres do oriente colhem arroz
Águas fontanas fios de seda tecidos sem a angústia mecânica
Enquanto navegam os barcos e elas cantam
Como um coro de meninas colhem flores aquáticas

Um oceano esférico deslocado deformado|metamorfose anamorfose
Águas estriadas por guerras para destecer um passado
Sob o olhar teatral de um deus impossível
Enquanto os tentáculos do tempo armam cenas humanas

Um oceano esférico e imaginário que abraça Beatriz e Dante
E revira na tela a imagem do barco para que Ulisses
Sempre retorne à imaginárias Ítacas
Para que a velha ama lave seus pés cansados da guerra

Um oceano esférico que abre cicatrizes em nosso útero
E eleva-se como o fez occam|malin génie cartesiano|sobre o mundo
Quando éramos a carne e o sangue
O corpo e o espírito|o desregramento dionisíaco

Um oceano esférico chamado humano
Oh se me fosse possível eu o faria ser mil anos antes
E retornaria ao mundo e às feridas | corpo anticorpo
Ao colo da terra agora coberta por esta estranha perfeição

Eu sentaria na estação de arroios
E sentiria a dor e a fome
E o estremecimento de trens humanamente lotados
E escutaria o coração de homens e mulheres à espera na beira do cais
Ergo sum qui sum [_deus ex-machina_] Exílio.

Born to pray and save.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
England is Mine, Mark Gill, 2017

Proclamo a minha solidariedade com todos os biliões de frangos / do planeta

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

terça-feira, 26 de dezembro de 2017
O NOVÍSSIMO TESTAMENTO


            para acabar de vez com os direitos humanos
            e restaurar os direitos divinos


Escrevi este testamento com sangue
de galinha
eu que não esqueço nunca a minha condição de pilha-galinhas
condenado a viver num galinheiro povoado de fantasmas de
      galinhas-da-índia patos perus gansos garnizés
e a cacarejar pela noite fora
sem que um só galo da vizinhança me responda
nem os galos dos cata-ventos
- quando o galo cantar renegar-me-ás três vezes quando o galo
      cantar -
Quando era criança antes de matar uma galinha
a minha mãe pedia-me para lhe prender as pernas e as asas
eu metia as mãos por debaixo da saia e prendia-lhe as asas e as
      pernas com todas as minhas forças
O sangue jorrava da sua cabeça para uma malga com vinagre
e ficava depois muito tempo ainda a espernear no alguidar
o pequeno olho muito aberto...
Os meus sonhos estão cheios de cabeças de galinha
ainda escorrendo sangue
de milhões de asas de milhões de patas de galinha de milhões
       de ovos
Quem vai bater esta gigantesca omeleta de ovos
na frigideira celeste?
A minha alma é uma pequena alma entre biliões de outras almas
Que tamanho tem a alma dum mosquito?
Proclamo a minha solidariedade com todos os biliões de frangos
       do planeta
que tentam em vão escapar à máquina de depenar eléctrica
com todos os carneiros cabras ovelhas avestruzes
- Eu sou um cordeiro inocente que se perdeu do pastor
e não sabe senão balir -
com todas as vacas
condenadas a comer rações impróprias e a um orgasmo gelado
No silêncio dos estábulos elas preparam a sua vingança
enquanto sonham com um prado verde de gramíneas
- e essa vingança será terrível -
Este é um testamento escrito com o sangue
do último dos genocídios
- e esse sangue é da cor do alcatrão -
tendo como testemunhas apenas as duas metades
do meu coração


Jorge Sousa Braga

o bom viver e o bom morrer.


Boca unida ainda à árvore obscura.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017
António Ramos Rosa (Círculo Aberto, 1976)

com as constelações

sábado, 16 de dezembro de 2017

sábado, 16 de dezembro de 2017
PARÁFRASE
Este poema começa por te comparar
com as constelações,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos contrastes
petrarquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.
A segunda estrofe sugere
que a diversidade de seres vivos
prova a existência
de Deus
e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um
os atributos
que participam da tua natureza
e do espaço criador
do teu silêncio.
Uma hipérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta.
PEDRO MEXIA



The Bridges of Madison County, Clint Eastwood, 1995

Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.

Quantas vidas se fariam com o que a nossa não utilizou.
VIRGILIO FERREIRA



Na Noite Terrível


Na noite terrível, substância natural de todas as noites, 
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites, 
Relembro, velando em modorra incômoda, 
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida. 
Relembro, e uma angústia 
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo. 
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver! 
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão. 
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte. 
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures, 
Na ilusão do espaço e do tempo, 
Na falsidade do decorrer. 

Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei; 
O que só agora vejo que deveria ter feito, 
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido — 
Isso é que é morto para além de todos os Deuses, 
Isso — e foi afinal o melhor de mim — é que nem os Deuses fazem viver ... 

Se em certa altura 
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita; 
Se em certo momento 
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim; 
Se em certa conversa 
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro — 
Se tudo isso tivesse sido assim, 
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro 
Seria insensivelmente levado a ser outro também. 

Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido, 
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo; 
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse; 
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas, 
Claras, inevitáveis, naturais, 
A conversa fechada concludentemente, 
A matéria toda resolvida... 
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói. 

O que falhei deveras não tem sperança nenhuma 
Em sistema metafísico nenhum. 
Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei, 
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar? 
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver. 
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos, 

Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca 
Como uma verdade de que não partilho, 
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p'ra mim. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 

A canção de Hyperion

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

quinta-feira, 23 de novembro de 2017
A canção de Hyperion
Oh santos génios! Vós caminhais,
lá por cima, em luz, sobre terra suave.
Brilhantes deuses etéreos
Tocam-vos levemente,
Qual os dedos da artista
nas cordas santas

Sem destino, como a criança
Adormecida, os anjos respiram;
Castamente guardado
Em discretos botões,
O espírito floresce-lhes,
Eterno,
E os santos olhos
Vêem em silenciosa
E eterna claridade.

Nós, porém, fomos condenados a errar,
Sem descanso, p’la terra fora.
Ao acaso, de uma
Hora para a outra,
Os homens sofredores
Somem-se e caiem,
Como a água atirada de
Recife para recife,
Ano após ano, na incerteza

neste intervalo de terra prometida / e de deserto

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

jubilação de nomes
ajuda-nos, Deus,
a sair do labirinto das coisas (mal)ditas,
a meada da retórica
que debita a máscara

tu que és a graça e o rigor
das linhas desenhadas,
a onda que regressa e que advém
neste intervalo de terra prometida
e de deserto
empresta ao nosso ouvido
a graça da rocha mãe do solo,
a cedência ao ritmo do que vem de longe,
e se não prescreve
e que a tua alegria permaneça

por JOSÉ AUGUSTO MOURÃO
(de 'dizer DEUS ao (des)abrigo do Nome', 1991)

LADY LAZARUS (again)

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

sexta-feira, 17 de novembro de 2017
I have done it again.
One year in every ten
I manage it—

A sort of walking miracle, my skin
Bright as a Nazi lampshade,
My right foot

A paperweight,
My face a featureless, fine
Jew linen.

Peel off the napkin
O my enemy.
Do I terrify?—

The nose, the eye pits, the full set of teeth?
The sour breath
Will vanish in a day.

Soon, soon the flesh
The grave cave ate will be
At home on me

And I a smiling woman.
I am only thirty.
And like the cat I have nine times to die.

This is Number Three.
What a trash
To annihilate each decade.

What a million filaments.
The peanut-crunching crowd
Shoves in to see

Them unwrap me hand and foot—
The big strip tease.
Gentlemen, ladies

These are my hands
My knees.
I may be skin and bone,

Nevertheless, I am the same, identical woman.
The first time it happened I was ten.
It was an accident.

The second time I meant
To last it out and not come back at all.
I rocked shut

As a seashell.
They had to call and call
And pick the worms off me like sticky pearls.

Dying
Is an art, like everything else.
I do it exceptionally well.

I do it so it feels like hell.
I do it so it feels real.
I guess you could say I’ve a call.

It’s easy enough to do it in a cell.
It’s easy enough to do it and stay put.
It’s the theatrical

Comeback in broad day
To the same place, the same face, the same brute
Amused shout:

‘A miracle!'
That knocks me out.
There is a charge

For the eyeing of my scars, there is a charge
For the hearing of my heart—
It really goes.

And there is a charge, a very large charge
For a word or a touch
Or a bit of blood

Or a piece of my hair or my clothes.
So, so, Herr Doktor.
So, Herr Enemy.

I am your opus,
I am your valuable,
The pure gold baby

That melts to a shriek.
I turn and burn.
Do not think I underestimate your great concern.

Ash, ash—
You poke and stir.
Flesh, bone, there is nothing there--

A cake of soap, 
A wedding ring,
A gold filling.

Herr God, Herr Lucifer
Beware
Beware.

Out of the ash
I rise with my red hair
And I eat men like air.
23-29 October 1962

núpcias.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

sexta-feira, 3 de novembro de 2017
O conhecimento de Deus é nupcial, para o poeta religioso. 
(...) A grande poesia religiosa é interrogativa, e não apenas assertiva. Mais evocativa do que afirmativa. Como uma prática iconoclasta da linguagem. 
JOSÉ AUGUSTO MOURÃO


Cada um se salva como pode

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

quarta-feira, 4 de outubro de 2017
e como melhor sabe.

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro / Sabendo que o real o mostrará

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

quinta-feira, 24 de agosto de 2017
Poema

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

                   Sophia de Mello Breyner Andresen

O religioso.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

quarta-feira, 2 de agosto de 2017
"O religioso é onde tudo se desenha, mesmo quando não sabemos. Isso que nos está falando sem nos falar."
EDUARDO LOURENÇO

nenhuma ilha era assim tão solitária

segunda-feira, 5 de junho de 2017

segunda-feira, 5 de junho de 2017
Mesmo em meio à guerra, ao isolamento imposto a toque de clarins, Margarida ouvia a música entrando em toda fresta de seu quarto. Não sabia dizer se era orquestra, cadetes feridos praticando algumas notas, se era a radiola de algum general de alta patente que, como todos ali, seguia doente esperando o armistício, Margarida não sabia dizer. Mas era o que menos importava, pensava, porque não era o dizer que falava mais alto naqueles momentos. Antes, bem antes, era o vento soprando a clarineta, ou o tiquetaquear das horas sobre as cordas do violoncelo. Margarida se calava, simplesmente, a ouvir aquele som escorrendo pelo batente, transbordando as venezianas, pintando de outras chamas o inferno que ia fora, nos frontes de batalha, e mesmo dentro de algumas pequenas casas, com suas camas, padiolas e mortalhas. Entre uma costura e outra, no passo de um e outro ilhós, Margarida ouvia o ar dizendo, as cordas pelo ar soando, que nenhuma ilha era assim tão solitária, e que mesmo sendo a guerra meio eterna, nunca eram eternos os frontes de batalha.
Leandro Durazzo

Dentro dela há pouco espaço, / ela só me tem amor.

sábado, 3 de junho de 2017

sábado, 3 de junho de 2017
'Senhor, liberta-me de mim mesmo' 
para que eu possa esconder-me dentro 
delas. Dentro dela há pouco espaço, 
ela só me tem amor. Compra-me cigarros, cozinha-me refeições, expõe-me 
como refugiado aos efeitos benéficos do álcool – e aguarda.
Aguarda que lhe devolva amor.
Por isso, Senhor, peço: 'liberta-me 
de mim mesmo' para que eu possa esconder-me 
dentro delas, das paredes. 
Dois metros e vinte por outros tantos ou mais é espaço suficiente 
para que possa esconder-me e servir-Te como mereces: 
erguer-Te uma capela, pintar-Te um fresco, ser genial para Ti, Senhor,
liberto de mim mesmo 
por dentro das paredes 
do útero dela.

in A Habitação de Jonas, 2013
Inês Fonseca Santos 

Vanished Souls

terça-feira, 2 de maio de 2017

terça-feira, 2 de maio de 2017








Celine, Jean-Claude Brisseau, 1992

sexta-feira, 21 de abril de 2017

sexta-feira, 21 de abril de 2017
Talvez precisemos voltar a essa arte tão humana que é a lentidão. 
TOLENTINO MENDONÇA

She looked at the trees.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

segunda-feira, 17 de abril de 2017

‘‘Não me habituo: não posso ver uma árvore sem espanto.’’ Raul Brandão


LOST, LOST, LOST, Jonas Mekas (1976)


ONE DESIRE, Jerry Hopper (1955)

Sylvia, Christine Jeffs, 2006

El sol del membrillo, Victor Erice, 1992

The Munekata sisters, Ozu (1950)
Sound of the Mountain, Mikio Naruse, 1954


Le Monde Vivant, Eugène Green, 2003

 1001 noites, Pasolini , 1974





I want nothing.

domingo, 16 de abril de 2017

domingo, 16 de abril de 2017

Deep in the Woods (Benoît Jacquot, 2010)


EDUARDO LOURENÇO

''...a importância de colocar a Bíblia no espaço público, segundo as exigências culturais do nosso tempo''

domingo, 9 de abril de 2017

domingo, 9 de abril de 2017
https://www.publico.pt/2017/04/09/sociedade/noticia/a-biblia-em-praca-publica-1768145

Still believing in the beautiful light...

A electricidade, dizia Lenz, tornara ridículas certas intuições sobre o divino. Não se pode confundir o que mete medo e respeito com uma electricidade potente.
Gonçalo M. Tavares in "Aprender a Rezar na Era da Técnica




THE THIN RED LINE, MALICK (1998)


''Escondemos-lhes os ossos. Algum de nós era digno / de saber o que resta do seu grande segredo?''

Aquele grande rio eufrates
E o sexto anjo derramou a sua taça
sobre aquele grande rio Eufrates
Apocalipse XVI, 12
Somos verdadeiramente pessoas seguras de si
Longe de nós — que fará ele aqui? — o pensamento
de um dia deixarmos atrás de nós um corpo
lembranças nossas em alguém vazios os lugares onde estivemos
Quem nos dirá a nós que lá no mar as ondas
não venham ainda a precisar de serem vistas
para continuar a nascer e a rebentar?
Vamos ao ponto de dar nomes de mortos às ruas
como se os mortos não pudessem voltar a morrer
o que afinal a gente vê todos os dias
Escondemos-lhes os ossos. Algum de nós era digno
de saber o que resta do seu grande segredo?
Não queiras levantar agora a capa da terra
só para os veres dormir seu vasto sono horizontal
Trincamos tudo: o pão que nos pertence o pão alheio
e o mais que os nossos dentes encontrem à disposição
Nem nos perturba essa pesada dignidade
de recebermos de pé em plena face as estações
e de saudarmos à passagem os homens e o tempo
Precisámos que alguém nos ensinasse onde olhar as mulheres
de corpos excessivos para algumas pás de terra
e que lugar no coração lhes dar?
Olhai que bem nos fica andar na rua
pelo braço de alguma ideia respeitável
ousada sem excessos devidamente garantida
Dispomos de nomes para todas as coisas conhecemos
todos os cheiros todas as promessas
temos na vida uma situação privilegiada
É ver quem ao morrer põe mais anúncios no jornal
como se de outras tantas vidas dispusesse
ou pudesse morrer um pouco mais em cada uma delas
Se até há entre nós quem faça versos
com todas as licenças necessárias
Ao de cimo da pele — da pele sim minha senhora —
ainda temos bolsos e canetas nos bolsos
e muitos outros pequeninos objectos
e soluções nos bolsos para a vida e para a morte
Somos verdadeiramente pessoas seguras de si
Como vagas rebentam nesta vida as gerações
Por elas pelas palavras que não foram proferidas
pelos mortos na estrada pelo preto
que acaba de saltar dois metros ou mais em altura
por quem à despedida quis ouvir a nona sinfonia de beethoven
pelas mulheres de leopoldville pelos directores gerais interinos
pelo sexo que trouxe até nós que fomos no princípio
apenas dois
nossos primeiros pais
pelos excessos do estio que obrigam os poetas
a escrever em julho os poemas de natal
ou na páscoa seguinte aqueles que celebram o pai morto
imolando às imagens o que fora delas pereceu
por todo o sangue justo derramado na terra
depois de abei mesmo depois muito depois de zacarias
filho de baraquias morto entre o templo e o altar
oh como é digno de louvor o velho que regressa
na hora de partir aos seus gestos mais simples
ou as crianças que ainda se olham cheias de surpresa
no corpo recentemente adquirido
Oh como é doce para mim saudar-te
a certas horas quando a chuva cai
e me é dado adivinhar-te por trás das palavras
ditas apenas para orientar o coração
Vejo-te então
preparada e tensa como um arco
e a inclinação com que solícita me atendes acompanha
a forma leve e sinuosa do que temos a dizer
Tão fresco é o teu riso
que quase te direi recém-nascida
Enquanto eu mordo contra o muro a cúpula do riso
inclinas tanto os vagarosos braços
que a tarde desce sensivelmente por eles
até configurar-se em tuas mãos
E o teu olhar está tanto nos teus olhos
profundamente abertos neste vale de lágrimas
que em duas gotas negras ele cai
nas minhas faces mortais
Num sobressalto de pálpebras
abriu-se o céu de um poema
Dia a dia mal o sol subir pela manhã acima
e alcançar conveniente altura
escreverei em tua honra esse poema a que a tarde virá pôr
um ponto final tão rubro como um poente
e chamar-lhe-ei o poema de um dia
Todos os dias são poucos para chorar o homem
embora ele chame em seu auxílio as árvores
ou se descubra sempre que a tarde passar
O homem que depois do poema não diga
«agora já posso morrer tranquilo» nem deseje
ideias regulares como as horas de trabalho
na paz relativa das derrotas adiadas
Seja quem for que nunca peça
«depressa um carro o mais descapotável possível»
Deixará o poeta anónimas algumas
das palavras que deus lhe pôs na boca
ou esses longos versos onde cabe a emoção?
Quantas vezes nesse obscuro instinto de escrever
o poema terá sido para ele
mais que o lugar onde ia ver-se livre
das palavras que o sobrecarregavam?
Estará ele disposto a abandonar o requintado gosto
que têm as leituras junto ao vão da janela?
Senhores dos planos de urbanização
responsáveis pela paisagem
cuidado com o poeta na cidade
Não há nem pode crescer na rua
árvore mais inútil que a palavra do poeta
Há salas espaçosas em muitas das palavras
Quantos de nós não me dirão andam na vida
seriamente à procura de um nome?
O mal deve afinal estar em sermos
quem somos e não querermos sê-lo
Nascemos e morremos e nada acontece
da primeira à última palavra sempre que entre nós falamos
Não há ideia que não puxemos para de baixo do sol
esse sol que de muitos cresta a pele
nas exóticas praias das antilhas
entre palavras postas onde fora o coração
Por vezes nem coração nem palavras sequer
apenas mornos sentimentos como gatos
bons para nos levar a atravessar o dia
Alguém conseguirá ser mais prudente que nós?
Houve algum sábado em que não deixássemos
a bandeira da repartição a meia haste por aqueles
que haviam de morrer só no domingo?
Fazemos colecção de impulsos ternos
e a vida sobre a terra é uma questão de tempo
Demos outrora um nome a cada coisa
houvemo-las assim por nossas e opusemo-las
dentro de nós à natureza exterior
Em cada telefone levantámos uma esperança
Passámos nos vidros das montras das cidades
e o breve tempo que passámos ficámos
Quando o silêncio um dia nos unir
então seremos todos nós palavras
Ainda hoje há muitos que procuram paz
essa paz que se sente ao descer na estaçãozinha de província
curiosamente chamada emaús
Entremos nos correios ao domingo que talvez
certo postal nos leve a dar por ganho o dia
A verdade a verdade o que é a verdade?
Banhamo-nos às vezes num olhar
que faz lembrar aquele antigo rio
quando não era ainda o chão o necessário porto
onde vão dar as coisas os seres e as folhas
e o homem depois de morto
Mas permanentemente não nos é possível
(um dia outra vez o princípio
os telefones tocarão interminavelmente
e correrão sem fim todas as fontes
pelas imensas manhãs de amanhã)
ter a cidade de Jerusalém na frente
ó meu senhor da face persistente
Inútil nos seria buscar quem aquém do rio
de todo em nós jogasse aquela vida
que plenamente existe só na nossa voz
A verdade meu deus é a cidade
que nasce onde e porque os teus
olhos e os meus após chorar se olharam
E vejo-te mulher sair dos velhos dias
e ajoelhar numa nuvem de névoa com os teus joelhos puros
sobre a nossa miséria de homens de medos
e o nosso ser caído e pelo ferro corroído
erguê-lo à altura do teu filho
que nem sequer pode estender os braços
contra os nossos templos domésticos
e até lhe escondemos a face entre paredes
E procuras no túnel da grande cidade
esse teu filho perdido há já três dias
entre as minhas palavras
e não o podes encontrar porque elas têm
tantos ombros pelo menos como a multidão
e porque eu para ti até aqui não tinha mais
que algumas palavras primordiais
tontas palavras pedidas emprestadas
às modernas doutrinas estéticas
Dois braços dois olhos vinte dedos na melhor das hipóteses
eis os limites do sonho do homem
Sentado deitado de joelhos de pé
eis as suas possíveis atitudes
E em caso de necessidade
é o mesmo o local onde se irá sentar
Ah a grande solidariedade que nos vem da mesma carne
de termos iguais braços e de abrirmos
os mesmos olhos sobre os telhados e a vida
o mesmo ouvido para ouvirmos o trovão
na noite em que se isolam todas as palavras
O que nós temos é principalmente sono
Planetas sem luz própria ilumina-nos
pontualmente a aurora. Novos passos
levarão a nossa morte diária
vinte e quatro horas mais longe
Já na cidade começam os despertadores
a disputar o cântico harmónico dos galos
Ainda agora havíamos morrido
e já saltamos novos dos lençóis da aurora
Vai funcionário arranjado e composto inaugurar o teu dia
com prateleiras para todas as ideias
por estas ruas que começam a movimentar-se
Se vês passar a camioneta para a ericeira
vai mesmo assim para o emprego e não para a ericeira
e afasta a tentação de sempre seres outra coisa
porque é de deus este e qualquer outro dia
Somos do povo nós ó funcionário. Ainda bem
Sentimos sob os pés a terra
Eles lá nos ministérios porém
com tão ampla vista sobre o tejo
julgam ter deus mesmo à mão
E este o cais. Daqui modernos épicos
navegações verbais praticaremos
a bordo de um conceito ou de um perfume
e lentamente ingressaremos no dia e na neblina
A mulher que por nós passa tem cara todos nós
residentes e domiciliados num corpo temos cara
e ter cara é uma responsabilidade enorme
Entrarmos na garagem talvez diga alguma coisa
a quem mais que em si próprio encontra em nós
que assim vistos de costas só por fora somos
aquilo que no íntimo tanto foi que nunca o foi
Atenção meu amigo às modernas quadrigas
que o sol nascente manda pelas ruas
Olha uma raça assim de santos e heróis
em linha pelas ruas da cidade
a alimentar o ritmo regular do trânsito
Momentaneamente libertos da noite
armamo-nos de coração para o dia
que mesmo agora abriu em pássaros
Morreu antónio arroio e hoje
os meninos da escola antónio arroio
são tão estúpidos como todos os meninos
e esquecem-se que ali morreu um homem
Aqui estamos nós homens sujeitos ao tempo
Que lindos corpos temos com que graça
os libertamos do inverno e vamos por aí
Sabes dizer-me amigo que interesses
serve o riso que nasce nas faces das crianças?
Não terás quem te empreste um cego lastimável?
—  o sábado é o dia em que saem para a rua —
talvez assim mereças piedade
Longe vai o tempo em que tu homem sem amanhã
trincavas à socapa o milho à porta da mercearia
na remota aldeia
E aí vamos nós cheios de música
nostálgicos de ausência ricos de horizontes
com o nível de vida expresso no olhar
Em quem tem carro dispensa-se a virtude
ele afasta de nós qualquer obstáculo
—  pensam os intelectuais da venda de automóveis
olhando-se no espelho lívido do stand
Comamos e bebamos que amanhã morreremos
Diverte-te noite e dia gilgamesh
desfruta do espectáculo das crianças
mais atraente na verdade que o das sombras
quando atravessam o rio houbour
Oh as falas sem futuro de manhã no autocarro
um autocarro de reivindicações
Caminhamos para a morte sobre os pés
As novas casas vêm apagar em nós a memória das velhas
A quem darão estas faces anónimas que passam
—  oh este homem de pé um homem velho
não no deixes perder senhor tu que o criaste —
pequenas alegrias ao chegar a casa?
Alegrias sem conto terá hoje a cidade
Deixai senhoras que passais para o mercado
cair o coração na esquina
junto à mulher que sofre entre folhas de outono
Ela merece muito mais que os velhos que ali estão
completamente ao sol quais crianças ou choupos
Somos a solidão onde a chuva acontece
e essa gota de água em nós é um acontecimento
Tão rápidas vieram as chuvas este ano
que conseguiram surpreender ainda pelas ruas
os braços das mulheres. Já entre as árvores cessou
a troca habitual dos pássaros
Santa teresa com desejos de comungar
e a chuva a não a deixar sair
O pecador já com um pé na direcção do mal
e a chuva a não o deixar sair
Amanhã passaremos sob a água
com um chapéu aberto e um cão pela trela
e insensivelmente meteremos
por paisagens de litografia inglesa
Dia de chuva e nós assim tão sós
no pórtico do templo há tantos anos:
mil, dois mil, novecentos e cinquenta e tantos?
A cem séculos de distância meto moedas no saco
Não tem nome o mistério do fogo
que lambe lábil como o pensamento
quem no outro inverno fomos
O tempo tem passado extraordinariamente
Agora que a aragem fria vem de novo quebrar
uma ânfora de memórias na linha dos umbrais
e roçar antigas asas contra a nossa pele
talvez possamos desfraldar as palavras necessárias
à sensibilidade do tempo que ao longo da avenida
certas tardes cai tão concentrado como uma pedra
a dois passos de nós. Alguém arrasta
periféricos véus sobre as searas e passa
mãos cheias de dedos pelo fumo das casas
Alguém passou por aqui
decerto alguém passou por aqui. Não vedes mortas
folhas que não há muito tinham coração
e manchado de sangue o caminho que leva
à cidade que há para além das montanhas
Eu sei que são inúteis
os nossos raciocínios e as propostas de caminhos rectos
E se ele passar por aqui (ou por outro sítio)
dentro de um mês ou de um ano
talvez veja em nós as mesmas faces orientadas
que insistem suavemente na direcção da cidade
Não deu o calceteiro a volta ao quarteirão
nem a flor da sacada emitiu catorze folhas
— só nove bastariam —
sem o inverno vir
Quando o tempo traz de novo às árvores o fruto
erguemos as cabeças dignamente A primavera sempre quando chega
estende sobre nós uma toalha de esperança
e o céu começa logo acima das cabeças
Não estamos sós
há vida sobre a terra
Bóia no ar da tarde um assobio
e o próprio vento não nos é desconhecido
Há um homem à sombra das árvores de junho
tem uma certa forma de olhos onde nasce deus
e é tão surpreendente tão desprevenido como uma criança
O ser que amamos nesses meses enche toda a rua
Se uma mão de calor nos mata de cansaço
e as planícies se lavam no nascer do sol
entregamos os corpos à ventura
Não és tu a minha estação ó verão instalado
Afastamos com água das árvores o outono
Já os dias começam a diminuir
ouve-se ao longe o búzio da azeitona
— deixa cair agora os gestos mais simples
com que te defendias de inimigos como
as plantas as crianças e os dias
Colheram as maçãs ainda não choveu
e o manto da inocência cobre como antes a criança
que ainda não quer ver o nome nos jornais:
o olhar é para ela só olhar
e não possível ponto de partida do poema
Iremos até onde as folhas caem
é possível que o outono seja lá
Que bem estamos em nós nem outrem nos sonhamos
são impossíveis qualquer passado ou futuro
Enfeitamos com trapos nossos símbolos os paus
e aproximamos o pássaro da rosa
enquanto fores mandando ao nosso encontro dias
e não chegar a hora de sairmos da história
como o sol sai agora por detrás do mar
E o mar sempre lá
no lugar onde está
fronteiro à face momentânea dos homens
Que mágicos não são prédios em construção
abandonados ao anoitecer
E outra vez nós temos sobretudo sono
Ah o movimento súbito dos carros rente à noite
e os amantes a medo preparando as novas mortes de cristo
pelos meios que a técnica lhes veio proporcionar
As nossas cidades ao cair da tarde
Talvez estas estradas consintam jesus cristo
um entre nós na nossa freguesia
mas dando ao mesmo tempo sentido a tudo isto
Tu és senhor um deus verdadeiramente ofendido
Andaste nestas regiões de terra para terra
é mentiroso todo aquele que te nega
o mundo passa é a última hora
É inútil repito. As ruas da cidade
de tão orientadas não vão dar ao coração
Os versos que erguemos ao longo dos passeios
coagularam em ilhas que a indiferença
rodeou de silêncio e ao roçar o asfalto
até adquiriram seguras cotações
nos mercados onde vendem as palavras
Os homens passam de mãos nos bolsos
com a despreocupação de quem escarra
poentes em bocas rubras comprometendo assim
uma esperança municipal em cada esquina
Não é possível quando o autocarro passa
configurar o sentimento
e atravessar com ele pela mão
e chamar-lhe mulher como se o fosse
Quantos de nós senhor exigimos mais espaço
— muito menos decerto bastaria
para estar à vontade no teu reino
a troco de uma renda razoável
Desses-nos tu somente o corpo indispensável
para sentir o vento quando passa
e para devolver-te o tempo que nos deste
Longe do dia definitivo poupamos gestos
(no fundo só as crianças os sabem perder)
demos a volta à cidade em tardes de domingo
todos tínhamos sítios precisos onde ir
Afasta-nos senhor do caminho e dos olhos essa cruz
lembra-te ao menos da nossa honesta cidade
onde todas as ruas têm um sentido
e os homens sabem bem aonde se dirigem
todos eles o sabem só tu não
Olha que acontecimentos nos esperam
ao fim da rua ou ao fim da semana
Vamos compondo hoje e amanhã a face
que havemos de mostrar aos outros
na nossa habitual órbita de astros
Tem cães e gatos tem espinhas o nosso dia:
ousaremos aproximá-lo de ti queimá-lo nesses lábios onde
todo o tempo tem oriente e poente nascimento e morte?
Terras de zabulon e de neftali mesmo cafarnaum
nalguma delas foste assim estrangeiro?
Triste destino o teu: morreres na minha boca
tu que és o responsável pelo vento
que tinhas os teus ombros sem regresso
prometidos ao céu sobre Jerusalém
És o mais singular dos meus amigos
oferecendo ao tempo a arca do teu peito quando ainda
limite algum de idade te atingira
Quererás tu recolher nossos dias iguais?
Olha a pressa com que os dias se sucedem uns aos outros
nesta terrível terra que uma vez
teus pés senhor pisaram e deixaram
Poucos são os que vêem ser vistos por ti
único olhar que não se cruza nestas ruas
onde todos nasceram e vão desaguar
Mas como aproximar-te nestes dias de vento
se a vista se nos prende a todos os joelhos
desde logo uma altura muito inferior aos teus olhos?
Baixássemos senhor o nosso pobre olhar
em vez de o deixarmos exceder
o nível médio das águas do mar
Como era o teu rosto?
Saberão muitos hoje os caminhos que a ele vão dar?
E quantos há que fogem a dobrar
diante de ti seu pobre joelho esfolado?
Todos fazem render estavelmente o rosto que lhes deste
ninguém te ama além do combinado
ou fora de um prudente horário de trabalho
Raros aqueles que feridos pelos homens
regressam findo o dia ao teu convívio
E atrás de nós um monstro — uma besta escarlate? — lentamente se elabora
também ele beberá do cálice da tua ira
Deixámos-te só senhor deixámos-te só
de braços estendidos contra os nossos dias
abolindo as mais sólidas paredes
-  quem não for irmão dos meus irmãos nem mesmo é meu irmão
Fomos todos ao encontro de nós próprios
se olhamos para o céu é na expectativa do que nos possa trazer alguma lua nova
-  já o santo o sabia nesse tempo
os homens sempre foram os mesmos
Não saberás de algum remédio convincente
para abalar um coração tristemente contente?
Terás no fim para nós uma morte tão funda
que nos separe de todo o mal que fizemos
e assim nos aproxime do bem que desejámos?
Quando vieres pela estrada de sião
então afastarás de nós a impiedade
Nós somos os das tendas aqueles para quem
não é possível a transfiguração
Só duvidam um pouco de si aqueles a quem
já tu senhor pediste alguma vez alguém
O nosso deus é um deus ofendido

Ruy Belo
In Todos os Poemas, ed. Assírio & Alvim
26.03.10 

Ruy Belo

Teu sopro tão além de quanto vemos.

domingo, 2 de abril de 2017

domingo, 2 de abril de 2017

Ignoto Deo

Desisti de saber qual é o Teu nome, 
Se tens ou não tens nome que Te demos, 
Ou que rosto é que toma, se algum tome, 
Teu sopro tão além de quanto vemos. 

Desisti de Te amar, por mais que a fome 
Do Teu amor nos seja o mais que temos, 
E empenhei-me em domar, nem que os não dome, 
Meus, por Ti, passionais e vãos extremos. 

Chamar-Te amante ou pai... grotesco engano 
Que por demais tresanda a gosto humano! 
Grotesco engano o dar-te forma! E enfim, 

Desisti de Te achar no quer que seja, 
De Te dar nome, rosto, culto, ou igreja... 
– Tu é que não desistirás de mim! 

José Régio, in 'Biografia' 

O que deus terá visto nele para morrer por ele?

sábado, 1 de abril de 2017

sábado, 1 de abril de 2017

Homem para Deus

Ele vai só ele não tem ninguém 
onde morrer um pouco toda a morte que o espera 
Se é ele o portador do grande coração 
e sabe abrir o seio como a terra 
temei não partam dele as grandes negações 
Que há de comum entre ele e quem na juventude foi 
que mão estendem eles um ao outro 
por sobre tanta morte que nos dias veio? 
E no seu coração que todo o homem ri e sofre 
é lá que as estações recolhem findo o fogo 
onde aquecer as mãos durante a tentação 
é lá que no seu tempo tudo nasce ou morre 
Não leva mais de seu que esse pequeno orgulho 
de saber que decerto qualquer coisa acabará 
quando partir um dia para não voltar 
e que então finalmente uma atitude sua há-de implicar 
embora diminuta uma qualquer consequência 
O que deus terá visto nele para morrer por ele? 
Oh que responsabilidade a sua 
Que não dê como a árvore sobre a vida simples sombra 
que faça mais do que crescer e ir perdendo vestes 

Oh que difícil não é criar um homem para deus 

Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates" 

Oh, um deus é um homem quando sonha!

quinta-feira, 23 de março de 2017

quinta-feira, 23 de março de 2017



Ó feliz Natureza! Não sei o que se passa comigo quando ergo os olhos perante a tua beleza, mas todo o deleite do Céu está nas lágrimas que ante ti derramo como o amado perante a sua amada. Todo o meu ser se cala e escuta, quando o meigo sopro do ar me roça o peito. Perdido na azul distância, ergo muitas vezes o olhar para o éter e mergulho-o no mar sagrado, e é como se um espírito familiar me abrisse os braços, como se a dor da solidão se diluísse na vida divina. Unir-se ao todo é a vida divina, é o céu do homem. Quantos são os dias em que o nosso coração experimenta pela primeira vez as asas, quando, cheios de um crescimento célere e fogoso, nos encontramos num mundo magnífico como a pequena planta que se abre ao sol matinal, estendendo os seus braços para o céu infinito. Oh, um deus é um homem quando sonha! Como poderia eu encontrar refúgio, senão nos amados dias da juventude? Tudo volta a rejuvenescer e a envelhecer. Porque fomos retirados do belo ciclo da Natureza? Ou será ele também válido para nós?

Apaga-se o sol.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

domingo, 26 de fevereiro de 2017
O melhor é não pensar.
Para mim o ideal de vida (…) é ser árvore. A árvore está ali.
Alimenta-se directamente do chão. Da terra. Cresce.
Abre-se. Dá flores. Ou fruto (…) e vive o tempo que
tenha que viver. Uma sequoia vive 1000 anos.
Há oliveiras no nosso país que são centenárias e
várias vezes centenárias. Mas tudo acaba. Essa ideia
de que tudo é assim e há-de ser sempre assim, não.
Um dia desaparecerá, apaga-se o sol, desaparece
o sistema solar. E acabou. E o universo nem se dará
conta que nós existimos. O universo não saberá que
o Homero escreveu a Ilíada.

 Deus. Onde está? Antigamente a gente dizia,
está no céu. Mas o céu não existe.
Não há céu. Não há céu, que é isso, céu?
Há o espaço. A 13.000 milhões de anos-luz.
Onde está Deus? Quem quiser crer, crê e acabou-se.
Eu digo alto e bom som que não, enfim, para mim não.
E repara que com 83 anos já seria uma boa altura
para pensar no futuro. Uma pessoa durante a vida
pode fazer aí umas quantas tonterias, dizer umas
barbaridades quanto ao senhor Deus, mas quando
chega aos 80 tem de ter cuidado com o que diz.
Mas isso não muda em nada a realidade (…)
Nascer, viver e morrer. E acabou. (…)
Espero morrer lúcido e de olhos abertos.

SARAMAGO





Browse by Categories

TREES OF LIFE (41) HOLDERLIN (11) MIRCEA ELIADE (9) FERNANDO PESSOA (8) HERBERTO HELDER (7) JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA (7) PASOLINI (7) VIRGILIO FERREIRA (7) INGMAR BERGMAN (6) JOHN FORD (6) JOSEPH CAMPBELL (6) SÃO TOMÁS DE AQUINO (6) ABEL GANCE (5) CARL JUNG (5) CARL THEODOR DREYER (5) EUGENE GREEN (5) FRITZ LANG (5) NOVALIS (5) RAINER MARIA RILKE (5) RUY BELO (5) SANTO AGOSTINHO (5) ANDREI TARKOVSKY (4) HANNAH ARENDT (4) HEIDEGGER (4) HENRY DAVID THOREAU (4) JEAN-LUC GODARD (4) KIERKEGAARD (4) LEIBNIZ (4) RAUL BRANDÃO (4) TERRENCE MALICK (4) Andrzej Zulawski (3) BLAISE PASCAL (3) BUDISMO (3) CIRCULARIDADE (3) CLARICE LISPECTOR (3) EDUARDO LOURENÇO (3) F.W. MURNAU (3) FRANJU (3) GEORGE STEINER (3) GOETHE (3) JOHN MILTON (3) JOSE VAL DEL OMAR (3) LEANDRO DURAZZO (3) LUCRECIO (3) MARCEL HANOUN (3) MAURICE PIALAT (3) MIA COUTO (3) NATHANIEL DORKSY (3) PAULO BORGES (3) PÍNDARO (3) TEIXEIRA DE PASCOAES (3) WILLIAM BLAKE (3) WILLIAM WORDSWORTH (3) ALBERT LEWIN (2) ANA CÁSSIO REBELO (2) Allan Watts (2) BERGMAN (2) BONNIE PRINCE BILLIE (2) BRUCE BAILLIE (2) CAO GUIMARÃES (2) CHARLIE CHAPLIN (2) CIMINO (2) CLARENCE HUDSON WHITE (2) DANTE (2) DAVID LOWERY (2) DYLAN THOMAS (2) E. CASSIRER (2) EMANUELE COCCIA (2) ERIC ROHMER (2) EUGÉNIO DE ANDRADE (2) EZRA POUND (2) FELLINI (2) FÉLIX GUATTARI (2) GILBERT DURAND (2) GILLES DELEUZE (2) GONÇALO M. TAVARES (2) HAYAO MIYAZAKI (2) HERK HARVEY (2) HERMANN HESSE (2) HESÍODO (2) HITCHCOCK (2) JEAN EPSTEIN (2) JEAN-CLAUDE BRISSEAU (2) JODOROWSKY (2) JOHN CARPENTER (2) JONAS MEKAS (2) JORGE DE SENA (2) JORGE LUIS BORGES (2) JOSEF VON STERNBERG (2) JOSÉ AUGUSTO MOURÃO (2) JOSÉ MARIA MARDONES (2) JOSÉ RÉGIO (2) JOÃO BÉNARD DA COSTA (2) KARL MARX (2) KING VIDOR (2) LEONARD COHEN (2) LEONARDO DA VINCI (2) MANKIEWICZ (2) MANOEL DE OLIVEIRA (2) MANUEL S. FONSECA (2) MARC'O (2) MARCEL L'HERBIER (2) MARGARETHE VON TROTTA (2) OVIDIO (2) PABST (2) PARADJANOV (2) PASCAL QUIGNARD (2) PAUL DELVAUX (2) PAULETTE TAVORMINA (2) PROUST (2) RIMBAUD (2) ROBIN HARDY (2) ROGER SCRUTON (2) ROSSELLINI (2) RUI ALMEIDA (2) SACHA GUITRY (2) SENTIMENTOS OCEÂNICOS (2) SIMONE WEIL (2) STAN BRAKHAGE (2) SYLVIA PLATH (2) SÃO JOÃO DA CRUZ (2) T .S.ELIOT (2) THEO ANGELOPOULOS (2) TRENT PARKE (2) UMBERTO ECO (2) VICO (2) VICTOR ERICE (2) WALT WHITMAN (2) WILLIAM DIETERLE (2) WITTGENSTEIN (2) sebastião salgado (2) wim wenders (2) ABEL FERRARA (1) ADILIA LOPES (1) ADVENTISMOS (1) AGNES VARDA (1) AKI KAURISMAKI (1) AKIO JISSOJI (1) AKIRA KUROSAWA (1) ALAIN RESNAIS (1) ALBERT EINSTEIN (1) ALEJANDRA PIZARNIK (1) ALESSANDRA FEROCI (1) ALESSANDRA SANGUINETTI (1) ALFONSINA STORNI (1) ALLAN DWAN (1) ALMADA NEGREIROS (1) AMADEU BAPTISTA (1) ANA MENDIETA (1) ANAIS NIN (1) ANDRE GIDE (1) ANDRÁS JELES (1) ANGELUS SILESIUS (1) ANSEL ADAMS (1) ANTONIONI (1) ANTÓNIO CAMPOS (1) ANTÓNIO GANCHO (1) ANTÓNIO LOBO ANTUNES (1) ANTÓNIO RAMOS ROSA (1) ANTÓNIO REIS (1) ARISTÓTELES (1) ARTHUR SCHOPENHAUER (1) ARVO PART (1) BAE YONG-KYUN (1) BAS JAN ADER (1) BAUDELAIRE (1) BEACH BOYS (1) BEATRIZ HIERRO LOPES (1) BEN RIVERS (1) BEN RUSSELL (1) BENEDICTE HOUART (1) BERGSON (1) BERKELEY (1) BERNARDO SOARES (1) BETH MOON (1) BIBLIA (1) BILL MOYERS (1) BILLY WOODBERRY (1) BOB DYLAN (1) BORIS LEHMAN (1) BOSCH (1) BOSE (1) BUSTER KEATON (1) Blavatsky (1) BÉNÉDICTE HOUART (1) CANTERBURY TALES (1) CARLOS DE OLIVEIRA (1) CASPAR DAVID FRIEDRICH (1) CATARINA MOURÃO (1) CHESTERTON (1) CLAUDE LORRAIN (1) CORNEL WEST (1) CRISTINA CAMPO (1) Cepticismos (1) Claudia R. Sampaio (1) CÉZANNE (1) D.A. PENNEBAKER (1) DAN BRAGA ULVESTAD (1) DANIEL BLAUFUKS (1) DANIEL FARIA (1) DANIEL JOHNSTON (1) DANIEL JONAS (1) DANIEL ROSS (1) DAVID BARISON (1) DAVID BERMAN (1) DAVID FOSTER WALLACE (1) DELÍRIOS (1) DIOGO VAZ PINTO (1) DIONYSUS ANDREAS FREHER (1) DOROTHY BERNARD (1) DREYER (1) DURKHEIM (1) EDITH STEIN (1) EDMOND JABÈS (1) EGON SCHIELE (1) EINSTEIN (1) ELLIE DAVIS (1) EMPEDOCLES (1) ENTREVISTAS (1) EPICURO (1) FEDERICO GARCIA LORCA (1) FERDINAND ZECCA (1) FERNANDO ASSIS PACHECO (1) FERNANDO LEMOS (1) FLAHERTY (1) FRANCESCO BERTOLINI (1) FRANCESCO UBERTINI (1) FRANCIS BACON (1) FRANCO PIAVOLI (1) FRANK BORZAGE (1) FRANK MALINA (1) FRANTISEK VLÁCIL (1) FREDERICO LOURENÇO (1) FREI BENTO DOMINGUES (1) FREUD (1) FRIDA KAHLO (1) GASTÃO CRUZ (1) GENESIS (1) GEORGES BATAILLE (1) GEORGES DIDI HUBERMAN (1) GILBERT GARCIN (1) GILBERTO GIL (1) GLAUBER ROCHA (1) GOYA (1) GRAHAM SUTHERLAND (1) GREMILLON (1) Giovanni Pico della Mirandola (1) HANNAH GUY (1) HEGEL (1) HENRI MICHAUX (1) HENRI-CARTIER BRESSON (1) HENRY FONDA (1) HENRY WESSEL (1) HERBERT BIBERMAN (1) HERBERT READ (1) HOMERO (1) HUILLET (1) HUW WAHL (1) Hafiz (1) Hilda Hilst (1) IAN MCEWAN (1) IBSEN (1) IEDA TUCHERMAN (1) INTRODUÇÕES (1) INÊS DIAS (1) INÊS FONSECA SANTOS (1) INÊS FRANCISCO JACOB (1) Ingeborg Bachmann (1) J. AUGUST KNAPP (1) JACQUES RANCIERE (1) JACQUES RIVETTE (1) JACQUES TOURNEUR (1) JAINISM (1) JAMES BENNING (1) JAMES CAMERON (1) JAMES DEAN (1) JAMES JOYCE (1) JAN BRUEGHEL (1) JEAN-BAPTISTE CAMILLE COROT (1) JEAN-JACQUES ANNAUD (1) JEAN-MARIE STRAUB (1) JEREMY JAY (1) JERRY HOPPER (1) JERZY KAWALEROWICZ (1) JOAQUIM PINTO (1) JOHN MARTIN (1) JOHN MILLAIS (1) JOHN WATERHOUSE (1) JORDAN BELSON (1) JOSE LUIS GUERIN (1) JOSEPH BEUYS (1) JOSEPH CAMBELL (1) JOSÉ MEDEIROS (1) JOSÉ SARAMAGO (1) JOYCE MANSOUR (1) JOÃO CÉSAR MONTEIRO (1) JOÃO MIGUEL TAVARES (1) JUDAÍSMO (1) JUDITH CREWS (1) JUSSARA SALAZAR (1) José Eduardo Agualusa (1) KAZIMIR MALEVICH (1) KELLY REICHARDT (1) KEN RUSSELL (1) KENNETH ANGER (1) KENZI MIZOGUCHI (1) KHALIL GIBRAN (1) KUBRICK (1) KUROSAWA (1) KURT KREN (1) LARS GUSTAFSSON (1) LARS VON TRIER (1) LAWRENCE M. KRAUSS (1) LEV KULIDZHANOV (1) LIVRO DA DANÇA (1) LIVRO DOS MORTOS (1) LOIS PATIÑO (1) LOUIS CLAUDE DE SAINT MARTIN (1) LOUIS-FERDINAND CÉLINE (1) LUCIEN NONGUET (1) LUIS BUÑUEL (1) LUIS MENDONÇA (1) LÉON DE GREIFF (1) M. FILOMENA MOLDER (1) MACIEJ DUZKYNSKI (1) MALCOLM LE GRICE; THE IMAGE OF TIME (1) MALEBRANCHE (1) MAN RAY (1) MANOEL DA FONSECA (1) MANUEL RESENDE (1) MARIA FILOMENA MOLDER (1) MARIA GABRIELLA LLANSOL (1) MARIA MANUEL VIANA (1) MARIANO MALACCHINI (1) MARINA NUNEZ (1) MATSUO BASHO (1) MATT REEVES (1) MAURICE BLANCHOT (1) MAURITZ STILLER (1) MAYA DEREN (1) MERIAN C COOPER (1) MESTRE ECKHART (1) MEYERHOLD (1) MICHAEL O'SHEA (1) MIGUEL HERNANDEZ (1) MIGUEL-MANSO (1) MIKHAIL KALATOZOV (1) MIKHAIL VRUBEL (1) MIKIO NARUSE (1) MILTON (1) MOJICA MARINS (1) MORRISSEY (1) MURILO MENDES (1) Meister Eckhart (1) MÁRIO SIMÕES (1) Mário Patrocínio (1) NAGISA OSHIMA (1) NAKAGAWA (1) NARUSE (1) NIETZSCHE (1) NIJINSKY (1) NOBUO NAGAWAKA (1) NUNO BRAGANÇA (1) NUNO FERRO (1) Nova Acrópole (1) OBAYASHI (1) ODE À AGUA (1) OLMI (1) PADRE ÉDOUARD HUGON (1) PAOLO GIOLI (1) PARMÉNIDES DE ELÉIA (1) PATRÍCIO GUZMÁN (1) PAUL BÁRBA-NEGRA (1) PAUL CÉZANNE (1) PAUL SCHRADER (1) PAUL SIGNAC (1) PAVESE (1) PEDRO MEXIA (1) PEDRO TIAGO (1) PETER FLEISCHMANN (1) PETRONIO (1) PHIL SOLOMON (1) PIERRE-AUGUSTE RENOIR (1) PIET MONDRIAN (1) PIMA (1) PLUTARCO (1) Persian poetry (1) Prof. Lúcia Helena Galvão (1) PÚBLICO (1) R. OTTO (1) RALPH WALDO EMERSON (1) RAMIRO S. OSÓRIO (1) RAOUL BERTEAUX (1) RAQUEL NOBRE GUERRA (1) RAUL BERENGUEL (1) RAYMONDE CARASCO (1) REBECCA MEYERS (1) REGINA GUIMARÃES (1) RENE DESCARTES (1) RENÉ ALLEAU (1) RICARDO ARAÚJO PEREIRA (1) RICHARD KELLY (1) RICHARD SARAFIAN (1) RIDLEY SCOTT (1) RIVANE NEUENSCHWANDER (1) ROBERT MUSIL (1) ROBERT WALSER (1) ROBERTO ACIOLI DE OLIVEIRA (1) ROSA LUXEMBURGO (1) ROSA-CRUZES (1) ROTHKO (1) RUI CAEIRO (1) RUMI (1) RÉGIS DEBRAY (1) SALMAN RUSHDIE (1) SALVADOR DALI (1) SARAH KANE (1) SCHLEIERMACHER (1) SERGIO LEONE (1) SHARUNAS BARTAS (1) SIMONIDES DE CEOS (1) SKOLIMOWSKI (1) SOLVEIG NORDLUND (1) SPINOZA (1) STIG DAGERMAN (1) STRAUB (1) SYDNEY LONG (1) Suspiros (1) TADAO ANDO (1) TALES DE MILETO (1) TATIANA FAIA (1) TEINOSUKE KINUGASA (1) TERRY GEORGE (1) TEUVO TULIO (1) TEXTOS DAS PIRÂMIDES (1) THE XX (1) TRANSCENDENTALISMO (1) TRESMONTANT (1) The Smashing Pumpkins (1) Timothy H. O'Sullivan (1) UGO GREGORETTI (1) UPANISHAD (1) VALERIO ZURLINI (1) VAN GOGH (1) VASCO GRAÇA MOURA (1) VELHO TESTAMENTO (1) VIRGILIO (1) VOLTAIRE (1) WACHOWSKI (1) WAGNER DE ASSIS (1) WALERIAN BOROWCZYK (1) WALTER BENJAMIN (1) WERNER HERZOG (1) WOODY ALLEN (1) William A. Wellman (1) XAVIER BEAUVOIS (1) XENÓFANES (1) YURI ILYENKO (1) ZDENEK KOSEK (1) a.m. pires cabral (1) adolfo bioy casares (1) agustina (1) ana marques gastão (1) beckett (1) cecilia meireles (1) chico xavier (1) christian kabbalah (1) cristele alves meira (1) hindu (1) italo calvino (1) jordan peterson (1) m. night shyamalan (1) plotino (1) scorsese (1) vincent ward (1)

Browse by Date