ICONOGRAFIA
E IDOLATRIA
A IMAGEM CONTEMPLAÇÃO
“A imagem pode abrir-se infinitamente a uma
descrição, a uma inesgotável contemplação. Ela não se pode bloquear no
enunciado claro de um silogismo. Ela propõe “um real velado”, ao passo que a
lógica aristotélica exige 'clareza e distinção'...”
GILBERT
DURANT, em “L’Imaginaire. Essai sur les sciences et la philosophie de l’image”
PERSISTÊNCIA FIGURATIVA NO CRISTANDADE ROMANA E BIZANTINA
Gilbert
Durand, acerca da evolução do imaginário ocidental, ressalva como o
estabelecimento da física moderna por Galileu e Descartes se revela
proponderante para uma rotura da concepção imagética, fortemente alicerçada na
iconografia religiosa. Inaugurando-se um sistema lógico demonstrativo e
determinista, que elogia o racionalismo do método intelectual cartesiano - e
desvaloriza o imaginário, o pensamento simbólico e o reconhecimento por
similaritude enquanto vias para atingir uma inquestionável objectividade - estipula-se
um caminho unidireccional de procura da verdade. Durand recorda como o
“o século XVIII vai acrescentar outro obstáculo e outro andaime da tradição
aristotélica: o empirismo factual (isto é, que procura delimitar “factos”,
fenómenos)...”, explicando a consolidação de um “pensamento sem
imagem”, que espartilha os valores e os poderes do imaginário e do pensamento
mítico. Defende-se num suposto procedimento de cisão civilizacional, que separaria o
ocidente dos povos arcaicos. A resistência à destruição da imagem -
dualmente assente nos pilares distintos da Cristandade Romana e de Bizâncio -
conduz os séculos XIII e XIV pelo florescimento da ornamentação figurativa
no espaço da catedral que, entre a riqueza de estátuas, vitrais, iluminuras, entre outras
decorações, suplanta, no âmago da cidade, a austera clausura monástica.
A partir do famoso ícone da Santíssima Trindade, de Andrei Rublev.
“Como estes deuses não são cognoscíveis, criaram-se
complexos sistemas simbólicos, para os representar e, de certo modo, substituir
a presença divina.(...) O Ícone pintado, feito de madeira, está intimamente
ligado á liturgia bizantina, por isso, na actualidade, a sua carga simbólica é
mais acentuada nos países de leste, de tradição católica ortodoxa, mas é também
reconhecida pelos fiéis da Igreja Católica Romana. Também aceite pelo catolicismo
romano, o Ícone Religioso é o produto de uma arte teológica, que se limita a
exprimir a beleza do sagrado. Não deve ser classificado como um retrato, porque
simboliza o Espírito Santo. As Igrejas Ortodoxas atribuem uma grande
importância às cores e à expressão das figuras, que dizem transmitir visões do
mundo espiritual.” in blogue http://iconografiaecristianismo.blogspot.pt
ÍCONE, SIGNIFICAÇÃO POR ANALOGIA
Um
ícone é uma imagem ou representação, um signo que substitui um objecto mediante
uma significação, uma representação por analogia. Nas tradições ortodoxas da
pintura cristã, um ícone apresenta uma pintura de um santo ou objecto sagrado;
a tradição icónica, expandida à escala da influência do Império Bizantino, considerava
os ícones como sagrados e detentores de propriedades extraordinárias (como um dia afirmou Gonçalo M. Tavares, o culto confunde o nome e o seu referente). No filme
Andrei Rublev (Tarkovsky, 1966), inspirado
pela biografia do famoso pintor de ícones, reflectimos acerca da definição de arte entre a dúvida que permanente contrasta com a tarefa de representação do
artista ( que ‘produz’ a arte icónica que dará figura às crenças) e
a insuperável dificuldade de saber como traçar as suas escolhas, entre todas as
possibilidades a que poderia destinar as suas simplesmente humanas mãos. Assim,
a inquietação do artista iconógrafo necessita da crença para dirigir a sua
experiência entre os caminhos de um esclarecimento - que lhe permita aceder às “imagens certas”.
Monólito, 2001 - Odisseia no Espaço, 1968
Contra
os excessos da torrente irreflectida ( à velocidade dos roaring twenties), onde um sempre brotar de imagens se acumula num
caudal indescernível, o olho de Rothko transformou-se. Assina uma cisão com o
que o rodeia, maturando o abstraccionismo como poucos, na procura de devolver,
pela pintura, o acesso às cores puras. Do impressionismo do final do século XIX, surgira o abstraccionismo, pronto a contrapor a figura descritiva com a enfatização da forma e da cor, defendendo a liberdade da criação como fim em si mesmo. Com um impetuoso sentido de cor, Rothko liberta-se da figura, na previsão de uma nova experiência de imersão nas forças e matérias primordiais da criação. O ano de 1946 assinalou a importante viragem que apurou a sua obra. Nascem os seus ‘multiformes’ (termo nunca utilizado pelo próprio), onde intensos blocos de cor convergem para uma união turva, em enormes quadros verticalmente dispostos onde o corpo humano é convidado a deixar-se engolir.
“The people who weep before my pictures
are having the same religious experience I had when I painted them…” Mark Rothko
Mas
a sua paleta começou a escurecer : azul escuro, preto, castanho e cinzento
começavam a reunir-se em finas camadas, sobrepondo-se na criação de um enigmático
mundo sombrio. A partir de 1957, inaugura-se o estado de melancolia que nunca
terminou até ao negrume último da sua obra exponencial - a Rothko Chapel
(inaugurada em 1971).
Os
quadros negros da Capela Rothko surgem em Cosmopolis da mesma forma inesperada que o monólito surge em 2001 Odisseia no Espaço - os novos
ícones, blocos de negro puro, incorporam o ecrã desligado, celebram a ausência
de cor, honram a evocação meditativa defronte do profundo mistério de uma
superfície virgem ( uma superfície rara, não imprimida, não colorida, sem
informação, por nascer)...
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